
O episódio recente envolvendo o embargo alemão à venda do VBTP “Guarani” as Filipinas, como resposta a negativa brasileira de fornecer material bélico para Ucrânia, serviu como alerta para a dependência de componentes estrangeiros em nossa indústria de defesa, algo que pode representar grandes perdas de milhões de dólares a indústria brasileira, isso no melhor dos cenários, podendo impactar diretamente nas capacidades brasileiras de manutenir sua soberania e a defesa de seus interesses.
O caso do “Guarani”, que possui até o momento sistema de transmissão e alguns componentes da suspensão de origem alemã, serve como exemplo claro da necessidade de se possuir um maior índice de envolvimento da indústria nacional na cadeia de fornecedores da base industrial de defesa. Uma “simples” caixa de transmissão, somada a alguns componentes de suspensão, foi o que bastou para gerar um impacto direto no fornecimento de viaturas blindadas brasileiras a um cliente de exportação, gerando atrasos nas entregas e uma série de efeitos colaterais a imagem no disputado mercado internacional de defesa.

Mas proponho aos leitores, uma breve viagem no tempo, voltando aos idos de 1982, aqui mesmo na América do Sul, testemunhamos o clássico exemplo do impacto da dependência de fornecedores externos no resultado das operações militares, com a Argentina sofrendo inúmeros problemas no desenrolar do conflito das Falklands/Malvinas, onde a ausência de soluções nacionais em diversos campos da indústria de defesa, resultou no rápido esgotamento de suprimentos e meios para sustentar de maneira efetiva, as capacidades operativas e de resposta no campo de batalha do Atlântico Sul. Dentre os inúmeros exemplos, podemos nos ater a negativa francesa de entregar os mísseis “Exocet”, uma das mais importantes armas empregadas naquele conflito pelos argentinos, e que em número suficiente, teria alterado o resultado do confronto com a frota britânica.
No case brasileiro, a solução mais óbvia para driblar o embargo alemão, e cumprir com contrato filipino, foi a substituição dos componentes de origem alemã, por outros de origem nacional, onde o governo brasileiro fechou parceria com uma indústria nacional para produzir e abastecer a cadeia logística do “Guarani” com componentes nacionais, assim dotando as viaturas de um conjunto de transmissão e demais componentes que se tornaram alvo do embargo alemão, com peças produzidas no Brasil. Tal solução irá demandar um determinado tempo para desenvolvimento e integração dos novos componentes as viaturas em questão.
Mas a grande questão em voga neste artigo é “porque só agora tomar a iniciativa de nacionalizar tais componentes chave do projeto?”. Essa não é uma questão tão simples de ser respondida, pois envolve inúmeros fatores, que vão desde o custo de aquisição dos componentes, o nível de qualidade comprovada pelo fornecedor e a demanda. Esse último ponto, demanda, é o grande “Calcanhar de Aquiles” de nossa indústria, não só no setor de defesa, mas nela como um todo, pois a demanda é o que reduz o custo final de qualquer produto, e não é diferente na indústria de defesa. No Brasil, o setor de defesa enfrenta inúmeros obstáculos para o desenvolvimento de soluções nacionais, que passam pela demanda, investimento no desenvolvimento, longevidade dos programas de defesa, incentivos fiscais, apoio as exportações e um orçamento adequado as instituições de defesa.
Não podemos falar em nacionalização de meios, se não há por trás uma política séria de apoio ao desenvolvimento industrial, o qual passa por incentivos fiscais, elaboração de um programa de manutenção do mercado e gerência do ciclo de vida dos produtos de defesa. Apesar de sermos uma grande nação, ainda somos amadores e despreparados demais para lidar com a realidade do mercado internacional de tecnologia e produtos manufaturados, longe de sermos um player competitivo e relevante, sem termos ao menos a capacidade de alimentar nosso mercado interno, o qual pode representar um exponencial retorno em divisas, mas que é notoriamente ignorado, mantendo antolhos que nos impedem de enxergar as oportunidades e gerar condições adequadas ao avanço de nossa indústria e um real processo de nacionalização de meios.
A nacionalização é algo primordial para qualquer nação que busque protagonismo no cenário mundial, e vou além, não adianta investir bilhões em compras com a previsão de transferência de tecnologia, se não criamos condições internas favoráveis a absorção de capacidades e tecnologias, ao nível que possamos não apenas reproduzir, mas desenvolver novas soluções usando tais processos de transferência como ponto de partida para avançar nossa capacidade industrial e tecnológica. De nada nos adianta pagar caro por um a tecnologia que não terá o menor incentivo fiscal e políticas sérias de desenvolvimento visando a pesquisa e desenvolvimento aliadas a uma política de inserção do produto nacional em nossa cadeia de fornecedores e as exportações.
Sinceramente, espero que o episódio do embargo alemão não caia no esquecimento, e sirva de lição para nossos parlamentares e demais autoridades tirarem os antolhos e passar a encarar com a devida seriedade não apenas o setor de defesa, mas nossa indústria como um todo, pois se almejamos um dia ser algo mais relevante no cenário mundial, antes temos que ter políticas sérias de estado, visando os pilares de uma nação, lembrando que economia não se faz com assistencialismo demagogo, ou políticas ditas “sociais”, que na verdade traveste interesses eleitoreiros e ideológicos que em momento algum, de fato, tenham qualquer intenção de elevar o nível nacional e garantir um futuro promissor ao povo brasileiro.
por Angelo Nicolaci