
No início de março de 2023, sem grande alarde, a TD (Marinha da Turquia) divulgou o recebimento do TCG Anadolu (número de casco L400); ele deve ser oficialmente aceito em serviço em 8 de abril de 2023. A Turquia pretende iniciar a construção de outro navio da mesma classe, o TCG Trakya.
Neste artigo, vamos conhecer um pouco mais da história desta impressionante belonave, e como a MB (Marinha do Brasil) pode aprender e se beneficiar com o excelente trabalho dos turcos.
ORIGEM DO ANADOLU
Em 2013 foi anunciado que o consórcio Navantia-Sedef acabou sendo escolhido para a construção de um LHD para a TD. O design seria derivado do LHD espanhol Juan Carlos (L61), que tinha sido introduzido no serviço da Armada em 2010. Entre as modificações desejadas pelos turcos estava a utilização de diversos sistemas e armas turcas. Tal decisão, bastante acertada, visava a estimular a BID (base industrial de defesa) da Turquia.
A cerimônia de bater a quilha aconteceu em 2019, mesmo ano em que a Turquia foi expulsa do programa F-35. Isso levou a TD a repensar a utilização do Anadolu, que originalmente deveria utilizar o F-35B.
A BID turca, bastante forte, já desenvolveu muitos drones interessantes, como o Kızılelma e o Bayraktar TB3 (derivado do famoso TB2). O Anadolu foi pensado, desde o início, para operar com drones, e também deve ser capaz de operar aeronaves como o Hürjet.
CARACTERÍSTICAS DO ANADOLU
O Anadolu combina as características de um “porta-aviões” com as de um navio de desembarque, um tipo de embarcação geralmente chamada de LHD (Navio de Assalto Anfíbio Multifuncional). Abaixo de seu hangar há um doca alagável, o que permite que as embarcações de desembarque possam entrar e sair sem maiores dificuldades.
A comporta da doca alagável abre na popa do navio. Esta é uma combinação cada vez mais popular e é tipificada pelos porta-aviões da Classe America da USN (US Navy, Marinha dos EUA). Os LHD podem transportar jatos de combate STOL (decolagem e pouso em pistas curtas), e são comumente descritos como “porta-aviões leves”.
O Anadolu deverá ser equipado com os helicópteros T129 ATAK construídos localmente e helicópteros ASW (guerra anti submarino) S-70 Seahawk, bem como helicópteros de carga pesada. Cerca de 14 helicópteros podem ser transportados no total, embora o número possa variar dependendo das necessidades operacionais.
Para autodefesa, o Anadolu será equipado com os CIWS (sistemas de armas de defesa de ponto) Phalanx de 20mm, além dos SAM (mísseis superfície-ar) RIM-116 RAM, ambos feitos pela Raytheon. Ela também levará a RWS (estação de armas remota) nacional Aselsan 25mm STOP. Também deverá ser equipado com o SSTD (sistema de contramedidas de torpedos para navios de superfície) Hizir, desenvolvido pela Aselsan, equivalente ao sistema Zargana instalado nos submarinos turcos e paquistaneses, mas desenvolvido para navios de superfície.
Ficha técnica:
- 231 metros de comprimento e 32 metros de largura (Boca).
- Deslocamento 27.436 toneladas.
- Velocidade máxima 20,5 nós e velocidade de cruzeiro 16 nós.
- Raio de ação 9.000 milhas náuticas em plena carga em velocidade de cruzeiro.
- Doca alagável; 4 LCM (Mechanized Landing Crafts)
- Convés de veículos;
- Capacidade de embarcar 13 MBT
- 27 veículos blindados de assalto anfíbio-ZAHA
- 6 Veículos Blindados de Transporte de Pessoal-ZPT
- 33 Viaturas médias, incluindo 15 reboques
- Capaz de operar com 10 helicópteros ou 50 “drones” do tipo TB3.
- O navio terá capacidade para 1.223 tripulantes.
- Haverá uma instalação hospitalar completa e 2 salas de cirurgia a bordo.
- LIÇÕES PARA O BRASIL
O Anadolu é um navio impressionante, ainda mais capaz que o nosso NAM Atlântico, e certamente resultará em um enorme aumento nas capacidades da TD. Entretanto, o aprendizado mais importante no projeto do Anadolu não é, em si, o aumento nas capacidades da Marinha Turca.
A lição realmente importante é que a Turquia investe, de fato, em sua BID, e o Anadolu é um exemplo disso – ao invés de simplesmente adquirir um navio pronto, derivado do Juan Carlos, os turcos decidiram fazer o Anadolu no país, substituindo fornecedores estrangeiros por fornecedores nacionais, tanto quanto foi possível.
Este investimento continuado na BID acaba rendendo frutos, já no curto prazo, como empregos de alta qualidade espalhados pela economia do país. No médio e longo prazo, o investimento na BID volta na forma de uma evolução na economia como um todo, além de aumentar a influência geopolítica do país, abrindo novos mercados não apenas para sistemas de Defesa, mas também para outros bens e serviços.
Entretanto, investir na BID requer do país que faça mais e mais planos de Estado, com os planos de Governo devendo ser geridos de tal forma que não atrapalhem os planos de Estado, principalmente em Defesa. A diferença entre planos de Estado e de Governo é simples de explicar e entender, mas difícil de colocar em prática.
Planos de Estado são aqueles que, por sua natureza e importância, exigem que sua execução aconteça em um longo período de tempo, de tal forma que, necessariamente, mais de um governante conduza o processo. Áreas como Defesa e Educação são exemplos claros. Basta olharmos para o Gripen: como explicamos neste artigo, o tempo entre o estabelecimento dos requisitos do futuro caça da FAB (Força Aérea Brasileira) e a declaração de IOC (capacidade operacional inicial) foi de 30 anos. Neste meio tempo, o Brasil teve 7 presidentes!
Planos de Governo, por sua vez, é infelizmente o conjunto de programas que conduz praticamente toda a política brasileira. São os planos de um determinado indivíduo para seu tempo enquanto governante, qualquer que seja sua esfera de atuação. Um evento que, tristemente, é muito bem conhecido pelos brasileiros, é o costume de um governante, assim que empossado, modifique, cancele ou até mesmo reverta as ações de seu antecessor.
A Defesa, neste sentido, é extremamente vulnerável, já que, conforme apontado acima, seus programas geralmente levam muito tempo entre sua proposição e a efetiva implementação de um sistema. Ademais, muitos brasileiros vivem sob a ilusão de que não temos inimigos, portanto não há necessidade de investir em Defesa, “pois os soldados não fazem nada além de pintar meio-fio”. A ideia é totalmente absurda mas infelizmente a Defesa é um dos pimeiros setores a sofrer cortes orçamentários.
Some-se as mudanças costumeiras da mudança de um governo com a vulnerabilidade da Defesa aos cortes orçamentários e a consequência é que empresas da BID acabam sendo, frequentemente, vítimas de cortes orçamentários logo após vultosos investimentos, o que, somado a outros fatores, já levou à perda de importantes bases, como a Engesa, que faliu. A Avibras pode se tornar a próxima vítima desta instabilidade; outros fatores podem estar envolvidos, obviamente, mas a falta de apoio governamental acaba desestimulando até mesmo a criação de tais empresas, e aquelas que são estabelecidas acabam tendo grande dificuldade em se manter operando.
Embora, no momento, o Brasil esteja em paz, não podemos nos iludir – a segurança da nação recai sobre os ombros das valorosas Forças Armadas, e estas devem estar sempre preparadas a cumprir suas missões.
Concluímos este artigo com a frase imortal do grande Ruy Barbosa:
O Exército pode passar cem anos sem ser usado, mas não pode passar um minuto sem estar preparado.